Estamos no ano de 2020, a apenas dez anos do ano 2030, data-limite para alcance dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS). A cidade de Belo Horizonte, por meio da PBH, aderiu aos ODS e, portanto, tem o compromisso de se transformar em uma cidade inclusiva. Vale aqui lembrar o que propõe o ODS 11: “Tornar as cidades e os assentamentos humanos inclusivos, seguros, resilientes e sustentáveis”.
Para que uma cidade seja inclusiva, é condição que todas as pessoas com mobilidade reduzida, incluindo nesse grupo todas as pessoas com deficiência, consigam se locomover para onde quiserem, a qualquer hora, com autonomia, segurança e conforto. Se concordamos com essa premissa, o que significaria, hoje, a instalação de uma placa de advertência ou uma placa de indicação com os dizeres “travessia de pessoa com deficiência”? Aqui na Biblioteca do Levante-BH já elaboramos as seguintes postagens sobre esse tipo de sinalização:
- travessia de pessoas com deficiência auditiva em Belo Horizonte
- travessia de pessoas com deficiência física em Belo Horizonte
- travessia de pessoas com deficiência física em Medellin
- travessia de pessoas com deficiência visual em Belo Horizonte
- travessia de pessoas com deficiência visual em Farroupilha (referência)
- travessia de pessoas com deficiência visual em Franca (referência)
- travessia de pessoas com deficiência visual em Piracicaba (referência)
- travessia de pessoas com deficiência visual em São Paulo
No caso de Belo Horizonte, o que vemos são placas de trânsito para advertir (letras pretas sobre fundo amarelo) ou indicar (letras pretas sobre fundo branco) locais onde, supostamente, há uma concentração de pessoas com deficiência atravessando a via. As placas, portanto, teriam a finalidade de conclamar motoristas para dirigirem mais atentos. Essas placas são específicas para travessias de pessoas com deficiência auditiva (proximidade do Instituto Santa Inês), pessoas com deficiência física (proximidade da AMP) e pessoas com deficiência visual (proximidade do Instituto São Rafael).
Em outras cidades brasileiras (as paulistas Franca, Piracicada e São Paulo e a gaúcha Farroupilha), o que encontramos até o momento são placas de advertência sinalizando travessias para pessoas com deficiência visual. Em sua maioria, essas placas estão associadas a locais onde foi implantado
algum semáforo com sinal sonoro. Mas será que uma cidade inclusiva precisa, mesmo, de advertir os motoristas sobre os locais onde pessoas com deficiência visual atravessam sozinhas obedecendo o sinal de pedestres? Isto sim, parece surreal, usando a expressão de Guilherme Tampieri que citei no verbete travessia de pessoas com deficiência física em Belo Horizonte.
No caso da colombiana Medellin, o que vemos é uma travessia não apenas sinalizada, mas especialmente implantada para atender às necessidades das pessoas – com deficiência física – que não são capazes de subir/descer os degraus de uma passarela para atravessar uma avenida.
Em todos os caso, no entanto, o que a princípio parecem ser ações legítimas de defesa de pessoas mais vulneráveis, por parte dos gestores da mobilidade urbana, podem também ser vistas como ações na contramão do ODS 11. Expliquemos.
Uma cidade inclusiva não deve possuir travessias de pedestres de uso exclusivo para pessoas com deficiência, como é o caso aqui analisado de Medellin. Esse tipo de travessia nós nomeamos, aqui na Biblioteca do Levante-BH, de travessia de pedestres segregada. Uma travessia segregada não pode existir, sob qualquer pretexto, em uma cidade inclusiva.
Uma cidade inclusiva deve advertir e/ou informar a seus habitantes que nessa ou naquela área da cidade os motoristas devem dirigir com mais atenção? Ou sua existência significaria, subliminarmente, que as pessoas com deficiência só se locomovem no entorno de determinadas regiões e, portanto, que a cidade não é inclusiva? Essas são questões sem resposta única, pois cada pessoa pode defender, com bons argumentos, ambas as respostas. Tudo depende, também, da política de mobilidade urbana em curso na cidade e das discussões que a sociedade civil faz com os gestores públicos. De certo, mesmo, é que uma cidade sustentável e inclusiva não precisa de muitas placas de trânsito. O que uma cidade precisa é que os cidadãos sigam os princípios básicos de trânsito, dando prioridade aos modos ativos sobre os motorizados e aos modos públicos sobre os individuais.
Seja qual for a escolha (implantar ou não implantar placas específicas para alertar a existência de travessias de pessoas com deficiência), parece-nos claro que a placa de advertência (travessia de deficientes físicos) implantada nas proximidades do Instituto São Rafael está em desacordo com o Manual Brasileiro de Sinalização de Trânsito – sinalização vertical de advertência. Deve, portanto, ser retirada do local ou ter seu lay-out alterado. Se alterada, além da retirada do pictograma não previsto e, talvez, sua substituição por algum contudo no manual, qual deveria ser a frase aplicada na placa? Seria travessia de pessoas com deficiência física, seria travessia de pessoas com deficiência ou seria, simplesmente, travessia de pedestres?
No caso das duas placas de indicação existentes em Belo Horizonte, uma nas proximidades do Instituto Santa Inês (travessia de deficientes auditivos) e uma nas proximidades do Instituto São Rafael (travessias de deficientes visuais), parece-nos que ambas as placas são inadequadas. Afinal, uma cidade inclusiva não faz esse tipo de indicação aos motoristas. Faz, isso sim, caso haja necessidade, indicação aos pedestres para que possam fazer suas travessias com mais segurança.