PINTER, H. (2023): PINTER, Harold Pinter. O amante. Direção: Luiz Otávio Carvalho. Belo Horizonte, Teatro de Bolso Sesi-Minas, 24 set. 2023.
crítica (da peça) no Instagram de Geraldo M. Martins:
A peça “O Amante” de Harold Pinter está em cartaz em Belo Horizonte, com direção de Luiz Otávio Carvalho. Lorena Jamarino debruça de maneira encantadora sobre a personagem Sarah. Gustavo Andrade conduz as personagens Max e Richard para o cômico e o reflexivo. Como é bom vê-los em cena! Samuel Macedo faz um entregador de laticínios.
Na abertura temos Sarah e Richard, há dez anos casados. Sentados nas extremidades de uma mesa, o casal toma seu café de manhã. A distância afetiva está no branco da toalha e da louça. O diálogo com frases curtas e meio absurdas é marca de Pinter. Richard pergunta a Sarah se o amante dela vira à tarde. O convencionalismo do casal burguês é rompido. Ele não tem uma amante fixa, pois prefere usar os serviços de uma prostituta. Ao fundo, Elis canta: “Só tinha que ser com você”. Richard sai para o trabalho. Agora temos que incorporar os paradoxos e as vicissitudes da vida do casal.
À tarde, chega Max. Uma pergunta se instala: eles estão com ou sem máscara. As atuações de Jamarino e Andrade são dignas de aplauso em cena aberta. Eles atuam tão bem que nos convencem não serem, nem Sarah, nem Richard. Eles são os outros de si mesmos. A fantasia sexual criada por eles para superar o tédio do casamento é mais verdadeira que a realidade.
Com essa fantasia eles podem alternar lugares, de sádico a masoquista, de amante a amado, de servo a senhor, de opressor a oprimido. O jogo de “faire semblant” ressuscita o gozo. Ela pode ser muitas outras que não apenas Sarah e ele, muitos outros que não apenas Richard. As identificações recalcadas pulam e se soltam nos encontros. A música compõe a cena: ouvimos “Vaca profana”.
Mas há um porém. Sempre há! É o que nos alerta o dramaturgo. Toda fantasia é inconsistente. A realidade é precária. Com o fracasso da fantasia sexual, Richard não quer mais jogar, não quer mais brincar, que ficar mais de perto de Sarah. Voltamos a Tom e Elis: “Se ao menos pudesse saber / Que eu sempre fui só de você / Você sempre foi só de mim”.
Harold Pinter vestido com músicas brasileiras, com atores com sotaque gostoso das nossas Minas Gerais e com o público às vezes assustado, às vezes entusiasmado. Uai, foi bom demais da conta!