ANDREATTO, E. (2024): ANDREATTO, Elias. O antipássaro (espetáculo baseado na obra e vida da poeta Orides Fontela). Direção: Elias Andreato. Atuação: Nilton Bicudo. São Paulo, Teatro Sérgio Cardoso, de 20 de janeiro a 3 de março de 2024 (retornando aos palcos).
observação: listado em apontamentos sobre a cidade de São Paulo de fev.2024 e de mar.2024.
crítica de Geraldo Martins no Instagram em 20/02/2024:
Nos idos dos anos 1990, o escritor Edgar Nolasco presenteou-me com o livro “Teia” de Orides Fontela. Era uma edição simples, com o universo azul e suas estrelas na capa, prefácio de Marilena Chauí e orelha de Luiz Fernando Emediato. Meus olhos arrebatados diante do que lia, o silêncio e o grito do que a poesia me tecia: era pura epifania. A leitura foi seguida de sonhos e alegrias incontidas. Eu queria mastigar, ruminar aqueles versos.
Orides roubou os meus escritos! Esse livro era de minha autoria! Ela o escreveu possuída de mim! Leiam “Mão única”: “– é proibido / voltar atrás / e chorar” e “Eros II”: “O amor não /vê / o amor não / ouve / o amor não /age / o amor / não”. Ou o verso: “o espelho devora / a face”.
Depois de revoltas e releituras, fiz laço amoroso com Orides. Aquela poesia não era minha: era vestimenta de proteção para os pântanos da travessia.
Agora assisto “Antipássaro”. No palco, luzes azuis como a capa de “Teia”. No chão, um tapete vermelho vai até uma escrivaninha/penteadeira, com um espelho oval, duas taças (uma com água, outra com vinho) e uma vela acessa. Pendurada, vemos uma echarpe de seda, uma suave música contagia. Um homem entra no palco como um pássaro e nos atira versos.
É o Antipássaro. Ele, ora é Nilton Bicudo, ora é Orides Fontela. Ele, ora conta a vida dela, ora é o eu poético. Rasga-nos com a força do verso. Com braços de pássaro, o ator evoca o verbo da poeta. Contorce o corpo, dança a teia poética. Pesca cada palavra e a lança como semente nos ouvidos da plateia. O ator veste o verso em atos dramatúrgicos. Bicudo ressuscita o verso calado de Orides. Esse namoro com a poesia dela, caminha durante o espetáculo para um romance. Eles estão de mãos dadas. Ele a venera como a amada e ela se entrega em toda poesia. A direção de Elias Andreato os faz amantes da palavra. Corpo e luz ungidos. Costura e alinhavo do que há de melhor no teatro. A ateia escritora torna-se eterna.
Geraldo Martins – psicanalista