SHIBLI, A. (2024): SHIBLI, Adania. Não somos fantoches de europeus privilegiados, diz autora palestina. Folha de S.Paulo, São Paulo, 13 jan. 2024. Disponível em: link externo. Acesso em: 14 jan. 2024.
trechos:
OPINIÃO
ADANIA SHIBLI
Não somos fantoches de europeus privilegiados, diz autora palestina
Em texto inédito, Adania Shibli escreve que Feira de Frankfurt se pautou em lógica excludente para cancelar sua premiação
13 jan. 2024
Adania Shibli
Escritora e ensaísta palestina, é doutora em estudos culturais e de mídia pela Universidade de East London e autora, entre outros livros, de “Detalhe Menor” (Todavia), finalista do International Booker Prize
[RESUMO] Romancista palestina relata, em texto publicado exclusivamente pela Folha no Brasil, como soube do cancelamento da cerimônia de premiação, na última Feira do Livro de Frankfurt, de seu livro mais recente. Para a autora, a organização alemã que concede o prêmio não compreende os obstáculos racistas enfrentados por mulheres do Sul Global e o apoio que recebeu demonstra que a literatura é uma tábua de salvação para um sem-número de leitores ao redor do mundo.
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A única notícia que consegui terminar até o fim foi uma publicada pelo portal israelense Ynet, que data de 4 de outubro de 2023 e relata o caso de uma cobra que tentou engolir um ouriço inteiro. O artigo descreve como o desespero da cobra por comida, para sobreviver, a levou a cometer o erro de comer o ouriço. O ouriço, no entanto, força seus espinhos para fora na tentativa de revidar e tenta escapar, mas, por causa disso, fica preso na boca da cobra. A cobra morre, e o ouriço morre.
Começo a me questionar se essa é uma profecia animal, um aviso para nós, humanos. Então, me pergunto quais papéis a cobra e o ouriço estavam desempenhando? Dos israelenses e dos palestinos? Dos privilegiados e dos desprivilegiados? Das nossas realidades e das nossas esperanças? Da vida e da morte? Da linguagem e de mim? Carrego, sem parar, a cobra morta e o ouriço morto com meu próprio desespero e vazio.
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A relevância da literatura não é provocar mudanças, mas intimidade, reflexão, trazer os outros de volta a nós mesmos; talvez um campo para considerar como nos relacionamos conosco e com os outros, da vida à dor; para nos guiar na direção de como viver melhor. Ou, citando meu amigo escritor Rafael Cardoso, que certa vez citou um pintor brasileiro: “Para tornar o desconhecido melhor“.
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A declaração da Feira do Livro de Frankfurt, no entanto, espelha outra coisa. Ela reflete a lógica excludente de visões políticas específicas, sugerindo que “para que isto seja, aquilo não pode ser” ou “este humano é mais digno que aquele”. Testemunhamos essa lógica nas ideologias nacionalistas e, em ascensão, no discurso de governos, na Alemanha e em outros lugares.
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