ALMEIDA, A.T. (2020): ALMEIDA, Ana Tereza. Praia da Estação comemora 10 anos no local onde ganhou força: na internet. G1, Belo Horizonte, 26 dez. 2020. Disponível em: link externo. Acesso em: 10 jun. 2020. [para compor referências do livro “Ouro Preto no futuro”].
Praia da Estação comemora 10 anos no local onde ganhou força: na internet
Movimento começou em 2010, após grupo de jovens criar blog para questionar maneira como as pessoas ocupavam espaço público da capital.
Por Ana Tereza Almeida, G1 Minas — Belo Horizonte
26/12/2020 08h00 Atualizado há 2 anos
“O on-line e o off-line se retroalimentam. Assim como em outras manifestações sociais da atualidade, a internet é a nossa marca”, disse Paulo Rocha, um dos fundadores do movimento Praia da Estação, que comemora, em 2020, dez anos. Por causa da pandemia foi preciso voltar as discussões sobre a cidade de Belo Horizonte e as comemorações para a origem: as redes sociais.
O coletivo Praia da Estação começou em 2010, após um grupo de jovens criar um blog na internet para questionar a maneira como as pessoas ocupavam o espaço público da capital. O movimento ganhou força, ocupou as ruas e contribuiu para que o carnaval de BH voltasse a lotar as ruas da cidade.
Atualmente, a Praça da Estação, no Centro de Belo Horizonte, fica vazia e sem eventos aos fins de semana, porque o isolamento social é umas das principais ferramentas para reduzir a transmissão do coronavírus. Uma década atrás, a proibição das festas no local era por outro motivo.
Em 2009, jovens belo-horizontinos já vinham em um movimento de ocupar locais públicos na cidade. O nome “praia” surge da ocupação em lotes vagos e rotatórias, que pareciam “ilhas”. Manifestantes colocavam roupa de banho, cadeiras e sombrinhas nesses locais. Além de se divertir, reivindicavam a participação nos espaços da cidade.
Para entender as reivindicações daqueles jovens, é preciso lembrar o que acontecia no cenário cultural de Belo Horizonte. Em 2009, o Teatro Francisco Nunes, que fica no centro da cidade, precisou ser fechado para reforma e, no final do mesmo ano, foi anunciado que a décima edição do Festival Internacional do Teatro, Palco e Rua (FIT) seria cancelada pela Fundação Municipal de Cultura.
O anúncio gerou protestos de diversos produtores culturais e artistas da cidade. Foi também em 2009 que a Praça da Estação foi devolvida ao uso depois de inúmeras reformas. Vários eventos foram realizados no local.
Porém, segundo a prefeitura, durante um evento religioso, em que o público esperado era de 15 mil pessoas, foram contabilizados 30 mil participantes e, com a chuva forte que caiu, esses participantes se esconderam dentro do Museu de Artes e Ofícios, que fica na praça.
“Com isso recebi um aviso. Foi sugerido uma reformulação para a aceitar eventos na Praça da Estação. Precisávamos fazer uma nova regulamentação através de um decreto”, disse o prefeito na época, Marcio Lacerda, em conversa com a reportagem para relembrar o movimento, em 2019.
A Praça da Estação já era referência tanto como ponto de encontro quanto como de manifestações culturais. O poder público decidir que um espaço urbano não pode ter eventos? Para um grupo de estudantes, artistas e intelectuais essa decisão foi inaceitável. Paulo Rocha, um dos fundadores do movimento, conta que a determinação ia contra o desejo de vivenciar o cotidiano da cidade.
“Ocupar rotatórias que aparentemente não têm utilização, a não ser como passagem, fez a identidade do grupo, que começou intitulado como Conjunto Vazio. Procurávamos garantir diversão como acontece nas praias, que é gratuito e para pessoas de todas as classes e estilo de vida. Ocupar a Praça da Estação se fez necessário após o decreto”, disse Rocha.
“A praça foi revitalizada de uma maneira estranha, sem banco e sombras para servir de ornamento para o museu com peças que a Ângela garimpou pelo interior do estado de Minas Gerais, que mostram itens de trabalho. A galera se juntava na sombra da única árvore. Como querem que a população ocupe um espaço assim? Era preciso se organizar de forma institucional, com força política para discutir qual a cidade que queremos”, lembra o participante da Praia da Estação Rafael Barros.
As ações do movimento eram coordenadas por meio de reuniões presenciais realizadas às quintas-feiras, durante a noite, na própria Praça da Estação, e por discussões em três ambientes: perfil no Twitter, lista de e-mails e um blog. Assim, a ideia da praia, que já acontecia em outros pontos da cidade, foi abraçada e levada para a Praça da Estação. A primeira Praia foi realizada no dia 16 de janeiro de 2010.
Neste primeiro encontro, o clima foi carnavalesco. O chamado anônimo foi feito pela internet e levou pessoas vestidas de biquíni, sunga e acessórios que geralmente são levados para passar um dia em uma praia. Uma praça revitalizada com uma fonte de água que saía do chão já era o grande atrativo.
“A ideia do decreto era proibir temporariamente eventos na praça. O erro foi de digitação do texto, em que foi escrito proibição e não suspensão temporária. Corrigimos o texto, mas aí não teve mais volta”, disse Marcio Lacerda.
Nestes dez anos do movimento, as marcações de dias da praia foram livres. “Não há dono para o coletivo. As chamadas são feitas por qualquer pessoa, sempre pela internet. A ideia é de independência. Todos são pertencentes”, disse Rocha.
Neste ano de pandemia, o único evento presencial que aconteceu foi em janeiro. Depois, por causa da disseminação do coronavírus, o grupo ficou restrito aos debates virtuais, em comunidades espalhadas pela internet.
Para a estudante Mirela Nascimento, de 24 anos, a Praia da Estação não perde força em 2020. Ela acredita que, assim que possível, o movimento voltará reafirmando a importância de ocupar o espaço público.
O objetivo é vivenciar a cidade e ver o que as pessoas fazem com o espaço em que vivem. Vamos continuar usando a praça como local de protesto, diversão e arte. Impossível definir a importância da Praia física sem a Praia virtual. Por enquanto seguimos no virtual, mas assim que possível, dando tudo certo em 2021, voltaremos a ocupar este espaço”.