VERGÈS, F. (2020): VERGÈS, Françoise. Um feminismo decolonial. Tradução: Jamille Pinheiro Dias e Raquel Camargo. São Paulo: Ubu, 2020. 143p. Título original: Un féminism décolonial.
- RIOS, F. (2020): RIOS, Flávia.Pré-prefácio: Por um feminismo radical. In: VERGÈS, Françoise. Um feminismo decolonial. Tradução: Jamille Pinheiro Dias e Raquel Camargo. São Paulo: Ubu, 2020. p.7-11.
- DIAS, J.P.; CAMARGO, R. (2020): DIAS, Jamille Pinheiro; CAMARGO, Raquel. Nora da tradução. In: VERGÈS, Françoise. Um feminismo decolonial. Tradução: Jamille Pinheiro Dias e Raquel Camargo. São Paulo: Ubu, 2020. p.13-14.
Acesse também:
- a entrevista “Feminismo ocidental nunca questionou privilégios de brancas” na Folha, sobre esse livro.
- o e-book sobre a semana de debates internacionais da UBU
trechos e conceitos-chaves:
p.7: Por um feminismo radical
[…]
Definir-se feminista consiste no desafio de quem quer revolucionar a prática cotidiana; não é servir de imagens, discursos e frases de efeito palatáveis aos capitalismo e absorvidos pela publicidade da sociedade de consumo. É preciso combater abertamente o feminismo de feição burguesa, diz Vergès, conhecida por suas críticas radicais. […]
p.8: Assim o feminismo decolonial se opõe frontalmente ao feminismo liberal […]. Opõe-se também ao “feminismo civilizatório” […]
p.9: [cita “Por um feminismo afro-latino-americano” de Lélia Gonzalez]
p.9: [cita o black feminism]
p.10: Por fim, uma nota de advertência: o termo “racialização“, aqui, não pode ser reduzido às pessoas negras, tal como ocorre nas Américas e no Brasil em particular. Ou seja, ao se referir às mulheres racializadas, vergés também considera aquelas vistas e entendidas como não brancas e não ocidentais, que vivem na Europa e nos Estados Unidos, na condição de imigrantes ou refugiadas. […]
p.11: Flávia Rios […] coautora de Negros nas cidades brasileiras […] e da biografia de Lélia Gonzales […]
p.13: O campo semântico de tremo em francês décolonial – presente no título e principal conceito do livro -, empregado por Françoise Vergès, caracteriza-se pelo enfrentamento da colonialidade do poder que, mesmo após a formalização da independência de territórios colonizados, persiste como legado da modernidade, do racismo e do capitalismo.
Na França o termo costuma estar associado ao ativismo antirracista e a um amplo combate à xenofobia, destacando-se a defesa de imigrantes e descendentes de imigrantes vindos de ex-colônias. No Brasil, o termo “decolonial” tem sido associado à recepção de estudos do grupo conhecido como Modernidade / Colonialidade / Decolonialidade (MCD), formado por pesquisadores […].
Para traduzir as poucas ocorrências em que Vergès mobiliza a palavra décolonial para se refletir propriamente aos processos histórico-administrativos de desligamento das metrópoles das ex-colônias, optamos por usar termos como “descolonizar“, “descolonização” e “descolonial“. Em contrapartida, nos momentos em que a autora faz referência ao movimento contínuo de tornar pensamentos e práticas cada vez mais livres da colonialidade, recorremos a termos como “decolonial” [fim da p.13] e “decolonialidade“, marcando essa diferença por meio da supressão do “s”. tal opção busca enfatizar que os processos histórico-administrativos de descolonização de um território não garantem que os discursos que circulam nele e sobre ele tenham superado a lógica colonial.
p.17/37/43/67/88-89: [sobre feminismo civilizatório]
p.17: […] O direito das mulheres, quando esvaziados de toda dimensão radical, tornam-se um trunfo nas mãos dos poderosos. […]
p.20: […] Foi pensando nessas mulheres [negras e racializadas], em suas lutas e em suas vidas, que propus um feminismo decolonial radicalmente antirracista, anticapitalista e anti-imperialista. […]
p.21: … divisão profunda entre vidas tornadas vulneráveis e vidas protegidas.
p.22: Os/as habitantes dos bairros populares, em sua maioria racializados/as pela polícia, são os/as mais assediados/as pela polícia, os/as mais vigiados, os/as mais acusados/os de não obedecer às ordens do governo. […] O confinamento é uma política de ricos. […] vidas supérfluas.
p.26: […] elas têm como passatempo discutir a legitimidade das coisas, reclamar que não querer ser “incomodadas” no metrô ou […]
p.27: A virada que faz do feminismo uma das forças motrizes das ideologias de direita, que por muito tempo o ignoraram, merece ser analisada. […] Como passamos […] a um feminismo branco e imperialista?
p.28: Eu defendo um feminismo decolonial que tenha por objetivo a destruição do racismo, do capitalismo e d imperialismo.
p.33: Aprendi também que é preciso usar as leis do Estado contra ele próprio, mas sem ilusão nem idealismo […]
p.36/49/51: [sobre feminismos de política decolonial]
p.41: Nesse sentido, a distinção que faz Peter Ekek é útil: a colonização é um acontecimento/período, e o colonialismo é um processo/movimento, um movimento social total cuja perpetuação se explica pela persistência das formações sociais resultantes dessas sequências.
p.43: Lutar contra o femi-imperialismo é fazer ressurgir do silêncio as vidas da mulheres “anônimas”, recusar o processo de pacificação e analisar por que e como os direitos das mulheres se tornaram uma arma ideológica a serviço do neoliberalismo (que pode, perfeitamente, em outros lugares, promover um regime misógino, homofóbico e racista).
p.44: [sobre feminismo machista]
p.46: […] Lilla Watson: “Se vocês vieram para me ajudar, estão perdendo seu tempo. Mas se vieram porque a libertação de vocês está ligada à minha, então trabalhemos juntas”.
p.50: [sobre futuridade (futurity)]
p.51: Os feminismos de política decolonial não têm por objetivo melhorar o sistema vigente, mas combater todas as formas de opressão. Justiça para as mulheres significa justiça para todos.
p.62-63: Nenhuma instituição me parece escapar ao racismo estrutural: nem a escola, nem o tribunal, nem a prisão, nem o hospital, nem o Exército, nem a arte, nem a cultura, nem a polícia.
p.65: Para [Hubertine] Aucler, existe uma linha divisória, a linha de cor. Em seu texto “Les femmes sont les négres” [As mulheres são os pretos], ela protesta contra a concessão do direito ao voto a homens negros nas colônias, após a escravidão, em 1848: “O passo à frente dado pelos pretos selvagens, em relação às brancas cultivadas da metrópole, é uma injúria à raça branca”. O direito de voto ganha cor sob a pluma da feminista: “Já que os pretos podem votar, por que as mulheres brancas não podem?”
p.75: [sobre empowerment, capacity building, leadeship, governance]
p.79-81/89: [sobre o véu islâmico]
p.80-81: [sobre a Liga Internacional das Mulheres / Liga dos Direitos das Mulheres]
p.83: [sobre a Declaração Universal dos Direitos do Povos adotada em argel em 1976]
p.85: [sobre missão feminista civilizatória]
p.90: Após a mídia apresentar o que houve na estação central de Colônia em 31 de dezembro de 2025 como um ataque sexista ditado pela cultura e pela religião muçulmanas contra as mulheres brancas, Alice Schwarzer, grande figura do feminismo alemão dos anos 1970, amiga de Simone de Beauvoir, declarou que o antirracismo passou a prevalecer sobre o antissexismo a partir daquele momento. […]
p.91: Com razão, Khola Marayam Hübsch chamou a atenção para a islamofobia de Schwarzer, seu chauvinismo cultural e a proximidade de seus pontos de vista com os da extrema direita.
p.92: [sobre o livro Sejamos todos feministas de Chimamanda Adichie]
p.93: O feminismo inclusivo desejado em Sejamos todos feministas se revela inatingível, já que as mulheres como um todo não são iguais e os homens como um todo não são iguais; assim, as mulheres deveriam aspirar à conquista da igualdade em relação a que homens? O racismo e a divisão em classes sociais, na medida em que se combinam, também se opõem.
p.94: [sobre femonacionalismo / nacionalismo femocrático – cita o livro “In the Name of Women’s Rights” de Sara Ferris]
p.101-103: [sobre Rosa Parks, o boicote em Montgomery, a marcha em Washington, o sistema “Jane Crown”]
p.103 [nota 37]: Jeanne Theoharis. The Rebellious Life of Rosa Parks. Boston: Beacon Press, 2013.
p.104: Entre os nomes [de mulheres negras] esquecidos ou marginalizados, que ainda devem ser constantemente lembrados, citemos Claudia Jones [comentário nosso: homenageada em selo UK 2008] […].
p.110: [cita o “Ni una menos” da Argentina]
p.112-118: [sobre o biquíni/burkini]
p.126: [sobre táxi coletivo em Maputo]
p.136: palavras finais do livro, citando ela mesma (e outros).
“Queremos pôr em prática um pensamento utópico [no original: utopiste], entendido como energia e força de insurreição, como presença e como convite para sonhos emancipatórios, como gesto de ruptura: ousar pensar para além do que se apresenta como ‘natural”, ‘pragmático’, ‘razoável’. Não queremos construir uma sociedade utópica [no original: utopique], mas restaurar toda a sua força criativa em sonhos de insubmissão e resistência, justiça e liberdade, felicidade e bondade, amizade e encantamento”.
última atualização em 25 de julho de 2020