CIA. ARTEZANAL (2023): ARTEZANAL CIA. DE TEATRO. Azul. Belo Horizonte, Por: Artesanal Cia. de Teatro Belo Horizonte, CCBB-BH, de 20 de outubro a 20 de novembro de 2023. (programa).
comentário: essa peça integra lista do verbete espetáculos de companhias brasileiras.
sinopse no website (link externo) da companhia:
(Violeta, uma menina de quatro anos, que está ansiosa pela chegada de seu irmãozinho, Azul. O que ela não imagina, é que ele acabará ocupando um espaço inesperado na vida da família. Entre os ciúmes e a aceitação de um irmão tão diferente, Violeta descobre que é preciso aprender a lidar com o que a vida propõe para a solução natural dos conflitos. Afinal, o amor entre os irmãos é maior do que qualquer diferença que possa existir entre eles.
A peça aborda o TEA (Transtorno do Espectro Autista) através das percepções de Violeta, que tenta não só compreender o universo do irmão, como busca maneiras de interagir com ele. De forma leve e lírica, o texto propõe uma visão sobre as relações dentro de uma família, que tem um integrante que vivencia o mundo de forma singular.
crítica de Geraldo Martins no Instagram (link externo):
AZUL é um espetáculo que tem o tempo como personagem: um relógio e seu relojoeiro marcando os vários momentos de uma família.
As crianças Violeta e Azul são representadas por bonecos. Eles são de magia e beleza incomensuráveis. Atores também portam belas máscaras como pais. A manipulação e a voz dos bonecos nos deixam de queixo caído. Violeta e Azul estão ali prontos para pular no colo de alguém.
Com a chegada do irmão, o narcisismo de Violeta, sentindo-se preterida, impulsiona agressões. Ela não é um anjinho: ela é uma criança freudiana querendo destruir o outro.
Os pais fazem de tudo para compensar a ira de Violeta, inclusive dando-lhe um piano. Violeta provoca barulho no instrumento para incomodar Azul em uma cena teatral memorável. Violeta cresce e deixa sua criança “perversa polimorfa” no passado.
O relógio/tempo sintoniza dois deuses gregos: Cronos, o tempo mensurado; Kairós, o tempo subjetivo. Esses deuses nos contam que Azul é autista, que seu tempo é de outra instância. A beleza estética da cena torna-se a beleza do tolerar e viver junto. O menino azul é “blue note”, um lugar inapreensível pelo entendimento. Ele é uma nota musical com colorido específico, que faz o Blues soar como Blues. Azul tem seu momento subjetivo, uma sonoridade diferente.
Essa nota azul é difícil para Violeta tocar no seu piano e conseguir viver harmonicamente. Na trama, são os momentos de ida à praia e ao tratamento psicológico, de ouvir música, de colorir e brincar, que as crianças se tornam amigos.
O cenário da praia dentro de uma caixa, aberta para a plateia, é esplêndido. A relação de Azul com a concha e o som do mar que dali sai, a música e as danças são pura poesia. Tudo acontece dentro do tempo de Kairós, esse tempo do momento oportuno de cada um. A estranheza de Azul com o mundo de Cronos e o narcisismo de Violeta vão dando lugar ao lúdico e à alegria de viver.
As crianças e os pais vão tratando o real. O lúdico e a poesia são contornos ao mal-estar. Não havendo que se falar em cura, o fundamental é conviver com os nossos males. Haja estéticas, haja poesias, haja teatro.
Ao final, saímos do CCBB-BH cantando “A lua é dos namorados” com Azul no bolso.