AVELAR, I. (2024): AVELAR, Idelber. Universidades dos EUA caem em armadilha vitimista que cultivam. Folha de S.Paulo, São Paulo, 11 jan. 2024. Disponível em: link externo. Acesso em: 12 jan. 2024.
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OPINIÃO
Expressa as ideias do autor e defende sua interpretação dos fatos
Universidades dos EUA caem em armadilha vitimista que cultivam
Conservadores usam antissemitismo contra a inédita empatia de jovens com palestinos
11.jan.2024 às 13h00
EDIÇÃO IMPRESSA
Idelber Avelar
Professor de literatura na Universidade Tulane, nos EUA, é autor de ensaios sobre a Palestina publicados em “Crônicas do Estado de Exceção” (Azougue, 2015)
[RESUMO] A cultura universitária que concebe exceções à liberdade de expressão, permite a supressão de discursos de oponentes, com campanhas de assassinato de reputação e cancelamento de eventos, e capitaliza o estatuto de vítima foi usada por deputados conservadores contra presidentes de universidades de elite americanas, sustenta autor. O que mobiliza o bloco pró-Israel, afirma, não é um suposto avanço do antissemitismo nas instituições, mas a inédita empatia de jovens americanos com palestinos que sofrem massacre.
A Fire (Fundação para os Direitos Individuais na Educação), organização apartidária dos EUA que monitora a liberdade de expressão, possui um banco de dados com milhares de ocorrências e alguns padrões reveladores.
Nas universidades, a vasta maioria das iniciativas de supressão de discurso vêm da esquerda do convidado se têm origem intracampus (alunos de graduação ou pós-graduação e professores). A vasta maioria das iniciativas de supressão de discurso vêm da direita do convidado se têm origem extracampus (administradores, doadores, políticos).
comentário: Esse fato me lembrou o ataque de deputados de direita ao professor da UnB, a quem restou concluir que esses que a atacavam não tinham cognição para entender o que ele dizia.
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Em um Congresso no qual o grupo de pressão mais temido é o Aipac (Comitê de Assuntos Públicos EUA-Israel), com um histórico de destruição das carreiras de quem ousou criticar Israel, explicar que cânticos pela libertação da Palestina não são antissemitas exigiria um pouco de coragem.
No vocabulário usado pelos congressistas no interrogatório, abundam os termos retirados da cultura vitimista dos campi: “doloroso”, “traumático”, “minorias”, “identidade”, “acossados”, “assediados”, “abusivo”, “desconfortáveis”, “vitimados”. As acadêmicas se viram do outro lado do discurso que elas tanto cultivaram durante anos. A inversão que criava a armadilha e a ironia que a acompanhava eram claríssimas para qualquer um que conheça o contexto.
Depois de anos cancelando conferências, desconvidando palestrantes, perseguindo pesquisadores indesejáveis e suprimindo discursos com o argumento de que eles podem ofender, disparar gatilhos ou veicular visões fóbicas a alguém, ficou difícil sustentar que todo discurso é livre justamente na hora do antissemitismo.
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Junto a isso, há também a revolta contra uma cultura universitária para a qual a liberdade de expressão sempre comporta exceções, desde que o cerceado se encontre do outro lado do espectro político e que o cerceador consiga acumular suficiente capital para a carreira de vítima no bingo das identidades.
Foi a confluência dessas forças que permitiu que presidentes de universidades top fossem jantadas por deputadas de alfabetização visivelmente incompleta. A acusação de antissemitismo foi mobilizada como arma por gente que está pouco preocupada com ele, porque os palestinos são os que podem ser rifados sem custo político. A direita também sabe que, hoje, o estatuto de vítima, mesmo que imaginário, é sempre capitalizável.
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Foi dessa retórica vitimista que se serviu a classe política para fulminar as universidades que a cultivam há tanto tempo. As universidades foram expostas, pegas de calças na mão, gaguejando para responder, já que uma resposta contundente e real exigiria uma revisão de sua própria cultura.