Este livro integra lista do verbete direito à cidade.
MENDONÇA, J. et al. (2023): MENDONÇA, Jupira; ANDRADE, Luciana T. de; FERRARI, Junia; CANETTIRI, Thiago. (Org.). Reforma urbana e direito à cidade. Rio de Janeiro: Letra Capital, 2023. 346p. (publicação do Observatório das Metrópoles). Disponível para baixar em: link externo. Acesso em: 4 fev. 2024.
- ARDILA, A.M. & VELOSO, A. (2023): ARDILA, Ana Marcela; VELOSO, André. Avanços e retrocessos da reforma urbana na mobilidade e acessibilidade na RMBH. In: MENDONÇA, Jupira; ANDRADE, Luciana T. de; FERRARI, Junia; CANETTIRI, Thiago. (Org.). Reforma urbana e direito à cidade. Rio de Janeiro: Letra Capital, 2023. cap.6, p.79-89. (pendente: enviar e-mail aos autores elogiando o artigo).
SUMÁRIO (p.6 de p.6-8):
trechos:
p.81-82: […] Os indicadores de acessibilidade ao transporte público, que estabelecem a capacidade de se alcançar destinos desejados ou necessários com apenas uma condução [nota 15], evidenciam alta precariedade do sistema urbano e tendência à desigualdade na distribuição das oportunidades.
comentário: importante distinguir “indicador de acessibilidade ao transporte público” de “indicador de acessibilidade no transporte público” (assunto da NTL n.º 19 da pesquisa Como viver junto na cidade”.
p.82: Boa parte desse péssimo desempenho se deve à sobreposição de linhas de ônibus do sistema metropolitano com as de sistemas municipais, à ausência de qualquer integração física ou tarifária desses sistemas e aos formatos de contrato de concessão do serviço, cujos instrumentos de fiscalização são ineficazes. Junto à péssima qualidade do transporte público, e contrário às diretrizes da Política Nacional de Mobilidade, observa-se na RMBH a diminuição do uso do transporte público, o aumento do transporte privado como principal modo de deslocamento e a diminuição das viagens nos modos ativos de transporte. Segundo a Agência Metropolitana, a taxa de motorização por moto e automóvel entre os anos de 2011 e 2019 da RMBH é mais alta (47%) do que a média brasileira (34%), enquanto a variação
porcentual de crescimento da frota foi o dobro em 2018 (7,35%) em comparação com as demais regiões metropolitanas do país (entre 2,4% e 3,9%).
p.83: Como podemos observar, é necessário avançar na realização de estudos mais atualizados e que nos ajudem a observar melhor a população e as mudanças no sistema de transporte e também o estado das calçadas das cidades da RMBH, assim como conhecer melhor os deslocamentos mais curtos e as características de nossa população.
p.84:
Governança metropolitana: os desafios do processo de metropolização e o desenho descentralizador da política de mobilidade
Para enfrentar os desafios associados aos problemas estruturais dos arranjos espaciais e da organização da mobilidade urbana, os agentes públicos tanto na escala estadual, municipal e metropolitana têm buscado implementar soluções de planejamento e gestão. No entanto, a capacidade de integrar a região e construir uma distribuição mais equitativa e equilibrada do território é bastante reduzida devido, entre outros fatores, a uma escassa governança da mobilidade – e de todas as funções públicas de interesse comum – na escala metropolitana.
A reforma constitucional de 1988, o Estatuto da Cidade e o Estatuto da Metrópole [nota18] contribuíram de forma significativa para o aumento do poder dos agentes públicos municipais como entes federativos, com autonomia para definir sua própria lei orgânica e sua organização administrativa. Esperava-se assim garantir que os governos locais pudessem estar mais próximos das demandas da população. Apesar das benesses deste arranjo, para o caso das políticas de mobilidade [nota19], ele contribui para a geração de múltiplas controvérsias políticas, porque dispersou a tomada de decisões ao reforçar o poder dos municípios, e diminuir a possibilidade de coordenar os sistemas metropolitanos.
p.86: De outro lado, a Política de Mobilidade semeou as bases para um novo paradigma que privilegia o transporte público, a mobilidade ativa e a participação cidadã na tomada de decisões. Esta Lei esteve acompanhada pela implementação de um conjunto de instrumentos de política, tais como as Diretrizes de Acessibilidade ao Transporte Público [nota 20], o Estatuto da pessoa idosa [nota 21] e o Estatuto da Pessoa com Deficiência [nota 22], que incorporaram as demandas de grupos por melhor qualidade e acesso gratuito ao serviço de transporte.
comentário 1 (sobre nota 20): A NBR 14022 não contem “Diretrizes de Acessibilidade ao Transporte Público”. Essa norma estabelece, tão somente, os requisitos mínimos de “Acessibilidade em veículos de características urbanas para o transporte coletivo de passageiros”.
comentário 2 (sobre nota 21): A única legislação de abrangência nacional que garante a gratuidade é a Constituição de 1988 (apenas para as pessoas 65+). O Estatuto da Pessoa Idosa (2003) apenas repetiu o que já havia sido concedido quinze anos antes.
comentário 3 (sobre nota 22): Os movimentos sociais repudiam o nome “Estatuto da Pessoa com Deficiência” e usam as denominações “Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência” e “LBI”.
p.88: […] A pressão pelo aumento dos preços, a impossibilidade de implementar tecnologias assistivas, a impossibilidade de definir padrões de qualidade da prestação dos serviços de transporte público, de integrar a oferta dos sistemas entre os diferentes entes territoriais sob um cartão único, ou implementar efetivamente o Cartão Metropolitano de Gratuidade, são apenas alguns dos efeitos mais evidentes.
p.86-87: Apesar de estas políticas reconhecerem as demandas cidadãs e promoverem a transformação da organização espacial e da governança das cidades, elas não necessariamente conseguiram quebrar as barreiras para construir diálogos entre agentes públicos e privados. De fato, esta visão municipalista tem promovido uma distribuição do poder muito desigual, favorecendo especialmente os interesses de grupos econômicos privados na concorrência pelo controle dos recursos. No caso particular da RMBH, o escasso desenvolvimento de uma política metropolitana integrada constitui um fator que diminui a capacidade da cidadania para exercer o direito à mobilidade nos diferentes municípios e coordenar o planejamento e prestação de serviços para atender um fenômeno cuja abrangência é superior aos limites político-administrativos. Ainda que o Plano Diretor de Desenvolvimento Integrado da RMBH (PDDI) de 2011 tenha proposto a reestruturação do território orientado à formação de novas centralidades e a construção de um sistema metropolitano, observa-se a alta fragmentação das responsabilidades e alta concentração do poder decisório no âmbito do governo estadual.
p.87: Em relação ao governo estadual, as atribuições relativas à mobilidade urbana estão presentes na escala metropolitana na Agência Metropolitana (Ag. RMBH), na atual Secretaria de Infraestrutura e Mobilidade (SEINFRA) e no Departamento de Edificações e Estradas de Rodagem (DEER). Essa desarticulação se manifesta na baixa capacidade de fiscalização do transporte coletivo e na ausência de conexão entre a gestão cotidiana e o planejamento concreto da mobilidade, uma vez que seu principal instrumento (o contrato de concessão do transporte coletivo metropolitano por ônibus) ainda vigorará até 2037. Além disso, atualmente a RMBH não conta com um PDDI aprovado na Assembleia Legislativa do Estado, nem com recursos do Fundo de Desenvolvimento Metropolitano.
p.88: Ante os inúmeros entraves, é necessário avançar na construção de uma cidadania metropolitana, que permita a integração dos diferentes modos de transporte. Garantir o direito à mobilidade implica, em primeiro lugar, possibilitar a construção de um sistema de transporte público para os municípios da RMBH, que se articule tanto física, como tarifariamente e que possa avançar progressivamente na implementação da tarifa zero para um maior número de pessoas.
p.89: Em segundo lugar, é preciso articular os modos motorizados e os ativos através de projetos metropolitanos de ciclovias e de estacionamentos integrados para bicicletas nas infraestruturas de transporte público. Em terceiro lugar, é essencial incorporar no planejamento da mobilidade as demandas de diferentes grupos sociais, como as mulheres, as pessoas pardas e pretas, as pessoas com deficiência, idosos e crianças. Cada um destes grupos enfrenta desafios cotidianos que impedem o acesso efetivo aos bens e serviços urbanos. De fato, ter como perspectiva de prioridade de planejamento justamente os grupos mais vulneráveis socialmente permite que a mobilidade seja verdadeiramente universal.
Por último, é indispensável fortalecer a governança metropolitana na formulação dos planos metropolitanos através de um diálogo com agentes municipais. Estes planos devem propor alinhamentos de qualidade dos serviços de forma unificada para evitar a fragmentação da oferta. Deste modo, é necessário construir cenários de participação e mobilização que permitam o exercício do direito à mobilidade, no marco de uma definição de cidadania metropolitana.